Pastel
(Evelyn Grabin Herbstrith)
Ele continuava comendo o
pastel. Um daqueles pastéis sebosos, tipo de rodoviária, do tamanho de um
prato. Mordida após mordida ele tornava-se mais e mais insaciável e o pastel
parecia cada vez menos suficiente. A gordura pingava na mesa de plástico, essas
da Pepsi-Cola, forrando-a como uma toalha gordurosa. Ela colocou a mão delicada
na coxa dele e sugeriu:
- Amor, talvez a gente devesse conversar...
Ele a ignorou. Não de uma
maneira bruta, ele não era assim, mas com um simples gesto da mão, que indicava
que ele precisava acabar o pastel. Como se o pastel fosse uma espécie de
digestor da conversa, era ele mesmo que sempre dizia que não se deve discutir
de barriga vazia ou de cabeça quente... Se bem que de boca cheia também não era
uma boa ideia. Ele seguia comendo o pastel em um alvoroço inacreditável –
estaria ela passando vergonha até ali naquele botequim? - e, por isso,
Amandinha contentou-se em juntar as azeitonas e ovos despedaçados e caídos ao
redor do prato. Percebeu, olhando no olhar dele, diria ela mais vazio do que
nunca, que ele não estava postergando a conversa, mas somente com fome.
- Tudo bem... – ela deu um
risinho e finalmente concordou.
Quando ele terminou seu pastel
(e como fora grande esse pastel), limpou as mãos em um “espalhanapo”,
esfregou-as na calça, analisou-as brevemente e pegou as de Amanda com o seu
jeito estranho e um pouco grotesco de dar carinho.
- Fala, Mandinha, estou pronto
pra ouvir você.
- Bem... – ela pensou em fazer
uma pausa dramática - faztempoqueeuvenhopensandonissomasvocêsabecomoeusoueunãoconsigoesconderascoisaspormuitotempoentãoeurealmenteacheimelhorelaborarumjeitodetefalarissosemmuitosrodeiossabeporqueeuseiquevocênãogostadissoe…
- Mandinha, fala.
Era sempre assim. Em casa tudo
parecia extremamente coerente, enquanto ela repetia com a voz esganiçada as
palavras em frente ao espelho. Uma auto-confiança bem peculiar, contudo, no fim
das contas, ela acabava enrolando e criando todo um caso ao redor do que era
totalmente trivial. Nem tão trivial assim, sabe como o amor é para os jovens,
mas não custaria tanto a falar.
- Mandinha? – ele indagou-a com
os olhos também, apertou as suas mãos como um estímulo para que falasse logo.
Ela podia sentir o óleo ensebando suas mãos.
- Eu te amo!
As palavras saíram duras de sua
boca, mais altas do que o planejado e talvez um pouco mais estridentes que o
normal, e ela sentiu como se, naquele exato instante, a ligação entre os dois tivesse
ficado muda, os créditos do orelhão haviam acabado – ou haveria o outro soltado
o telefone?. Ela esperou alguma reação. Ele coçou a barriga por baixo da
camiseta e manteve os olhos duvidosos mirando os dela. Ela esperava, no mínimo,
que ele agradecesse se não fosse retribuir o sentimento, pois se ele apenas
agradecesse ela poderia ir embora menos mal-amada e transtornada, precisaria
comer menos chocolates, apenas uma caixa de bombons quem sabe.
Mas, e se nem isso ele fizesse?
Ou se pior, recusasse todo amor que ela tinha para dar? Achasse o sentimento
asqueroso... Ela já estava transtornada. Procurava não pensar nisso, sua mãe
dizia que pensamento negativo atrai coisas ruins, que ela devia imaginar como
se ele já estivesse falando que também a ama e talvez até escolhessem os nomes
dos filhos naquela mesma noite.
- Nossa, Mandinha… – ele
hesitou por fim.
- Sim? – ela pressionou
esperançosa, quase como uma pedinte, enquanto era desconfortavelmente
interrompida por um enorme ronco.
Então, aconteceu. De uma
maneira inevitável, quando ele abriu a boca novamente tudo veio à tona. Tudo. O
pastel e a carne moída e o ovo e a azeitona e a salsinha e uns respingos de
óleo turvo. Assim, em cima da mesa, esparramados com a jura de amor de Amandinha.
Ele não disse nada mais além daquele vômito um tanto quanto significativo... Mas
também não precisavam mais palavras. Amandinha levantou-se, enxugou a borda da
saia, deixando um borro marrom gosmento, e foi embora, engolindo, como um
vômito que voltava-lhe ácido ao estômago - um refluxo, todas as palavras que
havia dito.