quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Zaaap! (Marcel Citro)

“Como vocês podem ver, lá embaixo existem vestígios de estruturas, de edifícios... Esta cidade provavelmente foi construída próxima a uma bacia hidrográfica. Lembrem-se, falamos há pouco que já existiu água aqui.”

“É claro que havia urbes mais importantes, mais sofisticadas na superfície estéril que vocês vêem agora: Emissões de rádio mencionam lugares que protagonizaram os eventos mais marcantes da época que antecedeu o colapso. Hoje, ‘Pequim’ e ‘NY’ são termos vazios de sentido, mas grande parte das ondas captadas vieram destes locais. As últimas, inclusive, foram enviadas de NY. De qualquer maneira, estamos neste ponto do planeta e não em qualquer outro porque aqui se situa a cidade melhor preservada. Chamava-se Porto Alegre.”

“Estão vendo, ao longo do leito seco daquele rio? As edificações estavam dispostas na sua margem direita, em sentido longitudinal. Por favor, aproximem um pouco mais os seus visores halogêneos: viram? Chamavam-se edifícios. Assim como os mais fortes exploravam os mais fracos, os habitantes desta cidade também moravam uns sobre os outros, não sabemos ainda os critérios que utilizavam para definir cada posição. Há bastante controvérsia sobre o modo como interagiam estas pessoas, há os que sustentam que alguns viviam diretamente sobre o solo, e até mesmo embaixo dele.”

“Estudos revelaram que havia também construções menores, habitadas por um grupo familiar individualizado. Não sabemos se estas estruturas isoladas era um indício de abundância ou não. De qualquer forma, destas construções menores quase nada restou.”

“Vou explicando enquanto vocês observam. Só há três certezas sobre esta civilização: comiam pedaços de animais mortos, utilizavam o ar como meio de propagação de várias línguas faladas – lembrem-se, falar era valer-se de um aparelho fonador para produzir vibrações em estruturas grosseiras chamadas cordas vocais – e adotavam um denominador comum de troca chamado ‘dinheiro’. Na verdade, era mais do que um denominador, constituía-se na religião mais influente aí embaixo. A maioria destas pessoas pautava sua vida em função dele, colocava sua obtenção como tarefa primordial a ser executada por todos os grupamentos celulares, acima de tudo e de todos”.



“Estou projetando agora uma halografia multidimensional do conteúdo do disco que encontramos na sonda espacial Voyager... isso é a imagem de um ser humano...curioso, não é? Aqui, imagens de outros planetas deste sistema solar, eles detinham uma tecnologia ainda bastante embrionária quando ocorreu o colapso. Procuramos muito a imagem deste...deste deus nas diversas faixas de cobre do disco, mas não encontramos nada que pudesse se enquadrar”.

- Será que não era justamente isso, o dinheiro, que determinava o lugar de cada um nos edifícios que estamos vendo?

“É possível. Pesquisas demonstraram que a maioria dos seres humanos vivia em lugares improváveis. Parece que o determinante para isso teria sido justamente a falta de dinheiro. O que não é de estranhar, um dos poucos estudos extensos realizados neste planeta, logo depois de termos encontrado a Voyager, revelava que dez por cento da população da terra controlava oitenta por cento dos recursos. Não é à toa que a civilização acabou por colapsar por completo.”

- E o colapso aconteceu com aquela história do estrondo ou do...como era mesmo a palavra?

“Bem lembrado! Na última transmissão de rádio que detectamos, alguém citando outro ser humano chamado T.S. Eliot declarou que o mundo não iria acabar com um estrondo, mas com um gemido. Não sabemos exatamente o que é um gemido, mas parece bastante poético, não é?”





“Bom, pelo jeito não há mais questionamentos. Estou percebendo que todos estão concentrados nas observações, mas tenho que avisá-los que nosso tempo aqui acabou. Ainda temos que visitar, neste quadrante, os anéis de saturno, a nebulosa de Órion e as anãs-vermelhas perto do quasar oeste”.

- Mas afinal de contas, isso tudo acabou com um estrondo, ou com o tal de gemido?

“ Ah, isso não sabemos...nunca iremos saber. Mas foi algo muito, muito rápido.”

- Alguma coisa tipo Zaaap?

“Exatamente. Zaaap!”