sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Sumô (Carlos Stein)


O locutor me anuncia no microfone, sinto calafrios; eu e o meu adversário nos erguemos e caminhamos para o tatame: se vencê-lo, serei o campeão de Sumô da cidade.

Os oponentes param frente a frente no interior do círculo traçado a giz, separados por duas faixas brancas paralelas; a um gesto do juiz, cumprimentam-se e se preparam para o combate: de cócoras, os punhos crispados se apoiando no chão. O silêncio rói pelo estádio.

Posso ouvir as línguas agitadas esquiando pelos lábios, o roçar nervoso de mil pares de mãos, todos olhares grudados em nós.

A uma ordem do juiz, como que catapultados, os dois arremetem para frente e se chocam, visando desestabilizar, derrubar, arrojar o outro para fora do círculo.

Ao mesmo tempo em que me preparo para suportar o impacto, percebo os espectadores gritando e se agitando, os pés martelando o chão, o alvoroço reverberando nas paredes, no teto, sob as arquibancadas, tudo isto percebo enquanto suporto a violenta investida do meu adversário.

— Pega, liquida, mata, empurra ele para fora do círculo — vociferam as vozes. Os lutadores rodopiam céleres, outras vezes lentos quase imóveis, voltando a girar subitamente, escapando de qualquer maneira da marca fatal do giz – colunas, as pernas; clavas, os braços; garras; os dedos; e um desejo surdo grosso antigo de supremacia.

Ele é mais alto e mais forte, seus músculos parecem cordas de aço, mas tenho de agüentar, encontrar uma brecha em sua defesa, derrubá-lo, ser campeão...

*

Subitamente uma perna é agarrada e imobilizada com firmeza (silêncio premonitório petrifica a todos), um peito se estufa de ar juntando-se a um movimento poderoso para diante, e um corpo é arremessado para fora do círculo. Dois uivos se escutam, mesclados: do vencedor, longo e tonitruante; e do perdedor, agudo e agoniado enquanto se estatela no chão. O vencedor, arfante, ainda em posição de combate, observa o perdedor, de bruços, o rosto expressando profunda decepção. A multidão sapateia, bate palmas, berra as sete notas do delírio. O perdedor se ergue, e num miúdo trotar, retorna para dentro do círculo; a um sinal do juiz, os lutadores se cumprimentam e deixam o tatame, o público acalmando-se. O perdedor escapa correndo dos holofotes e num salto se aninha nos braços da mãe que aconchega muito o pequeno corpo do menino, sacudido por forte choro.

– Perdi, perdi... – me lamento com mamãe, sem ter coragem de olhar para meu pai que deve estar muito decepcionado comigo...

11 comentários:

  1. Durante um ano mantive segredo, mas agora vou revelar: Carlos Stein, meu aluno aqui publicado, é o Carlos Stein do grupo dos "Nove do Sul", que, na década de 70 do século passado, fez um extraordinário sucesso, revelendo grandes nomes da literatura do RS, como Caio Fernando Abreu, Moacyr Scliar, Josué Guimarães, Ruy Carlos Ostermann, Sérgio Jockmann, Lara de Lemos, Cândido de Campos e Sergio Ortiz Porto.

    Depois de publicar um livro de contos chamado "Maurina", Carlos desapareceu da literatura, escondendo-se por 40 anos.

    Há mais de um ano, frequenta minha oficina, incógnito entre os colegas.

    Se Carlos não tivesse parado há 40 anos, seria um dos maiores escritores brasileiros da atualidade.

    Eu o desafiei a retomar o caminho e ele aceitou.

    Aqui está um novo "primeiro passo". Ele vai reescrever os contos de "Maurina" e vamos reeditar, não é, Carlos Stein?

    Charles Kiefer

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  2. Aí está um causo singelo, simples, mas ao mesmo tempo tão complexo. Sensacional mesmo, vc tinha razão. Tiro meu chapéu e desnudo minha calva, para o Stein.

    abç

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  3. Excelente. Comove a imagem desse gigante/pequeno buscando consolo nos braços da mãe. O Stein chama nossa atenção para esse menino que, tantas vezes escondemos na dura batalha do dia a dia. Parabéns, escritor.
    Abraço do Juarez Cruz.

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  4. Gostei muito. O conto provoca no leitor um trânsito de identificação com as personagens, sem abandoná-las, que achei fantástico. Já vi isso antes, mas ao longo de muitas páginas e de modo mais limitado. Ficou excelente.
    Caleb

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  5. Caro Carlos Stein:

    Esse menino perdedor ilustrado em seu conto certamente aprendeu a licao e dela tirou forcas para voltar a escrever, longos e talvez angustiantes 40 anos apos...Somente uma derradeira frase: - nunca mais deixe de expor ao mundo os seus dotes natos, pois como bem escreveram os que me antecederam nas mensagens, todos perdem com a sua nao expressao artistica.

    Seu maior/menor fa.

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  6. Que lindo e bem escrito! Adorei e adoro esse espaço, Charles!

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  7. Parabéns Stein, aguardo e torço pela reedição do livro. Kiefer, obrigado por esse espaço delicado e marcante. As tuas ações são sempre inteligentes e generosas, é o velho idealista e o grande intelestual transformando o mundo, multiplicando idéias a cada ato.
    Te admiro demais. Um abraço,
    Pena Cabreira

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  8. Ah, Carlos Stein, como eu queria ainda ter um regaço onde me esconder de minhas inúmeras perdas.`Parabéns.
    Ayalla Aguiar

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  9. Leitores, para quem não sabe o meu amigo Carlos Stein é um grande escritor. Participamos juntos no livro "Tempo de Espera", isto há mais de 40 anos, e já naquela época o talento dele era surpreendente. Leiam Carlos Stein! Abrs. do Moacyr Scliar

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